quinta-feira, 28 de julho de 2011

Sobre crianças e adolescentes...


 
É pura adrenalina, e emoção, embora em certas horas tão irritante e cansativo, observar o desabrochar de crianças e adolescentes. Se alguém tem perto de si um desses belos, estimulantes, atordoantes exemplares humanos, comece a olhar: encante-se, assuste-se, trate de se descabelar e maravilhar.
Lya Luft

sábado, 23 de julho de 2011

AVALIAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA DO DESENHO INFANTIL (PARTE III)




 Para a realização do presente trabalho, contamos com a participação de Ana, de 5 anos. A criança recebeu um kit contendo folhas de papel em branco, diversos lápis de cor de madeira, lápis grafite, borracha e um apontador. Dissemos que ela poderia desenhar o que sentisse vontade. Após alguns minutos, ela começou a rabiscar figuras geométricas nas folhas. Quando solicitada que desenhasse sua família, ela prontamente começou o desenho sem que nenhuma intervenção fosse feita durante a execução.
Apesar de ter à disposição muitos lápis coloridos, a criança utilizou basicamente o lápis grafite, sem a necessidade de uso da borracha que também fazia parte do kit recebido para a tarefa.
Inicialmente, imaginamos que a criança não havia entendido quando pedimos que desenhasse sua família, uma vez que sentimos falta de alguns elementos. Somente ao término da tarefa, quando ela verbalizou que havia terminado, solicitamos que ela explicasse o que havia desenhado.
Para Ana, o pai (desenhado de grafite) e a irmã mais velha (18 anos) estão atrás de uma cortina e estão na chuva. Ela achou que faltava ter desenhado uma sombrinha, mas complementou:
- Eu não sei desenhar isso!
Ana disse que também estava no desenho, apontando onde estava (ao lado do pai, fora da cortina).
Antes de sua verbalização, já podíamos visualizar duas formas femininas (pelo traço que lembra as saias) e uma masculina. Porém, imaginávamos ser seus pais e a própria criança. A criança tem duas irmãs e imaginamos que havia tentado desenhá-las perto de si, sendo uma imagem estereotipada sem membros superiores e inferiores e uma “cabeça” pintada de amarelo. Quando indagamos o que seriam as duas formas, ela sorriu e falou prontamente:
- Um “creme” e o sol!
Percebemos então, na prática, a imensa importância da verbalização do indivíduo examinado, da qual fala Almeida (p.3), para uma avaliação psicopedagógica bem realizada: “a palavra entrou como recurso auxiliar nesse diagnóstico, com ela nos asseguraríamos em relação ao que a criança apresentou no desenho”.
Para Wechsler e Schelini (2002, p.30), “... a criança, ao desenhar a figura humana, estaria expressando seu conceito de ser humano e sua compreensão das características essenciais que compõem o mesmo”. As autoras ainda advertem quanto à influência que os aspectos emocionais tem sobre o desenho.
Nesse ponto de observação, chamou-nos a atenção o fato de que as figuras humanas presentes no desenho de Ana possuem traços diferenciados quanto à simetria e proporcionalidade.
Observando que a irmã possui braços e mãos bem definidos e o pai também apresenta traços que lembram seus braços, indagamos por que não havia desenhado seus próprios braços, e a criança sorrindo respondeu apenas:
- Porque não!
Fernández (1991, p.100), discorrendo sobre as relações familiares, atesta que
Atribuir a uma pessoa um lugar dentro de um grupo familiar, a induz a desempenhar este papel. Tal adjudicação de lugar é ignorada pelo conjunto de pessoas que intervêm nesta operação, assim como num contexto hipnótico não se diz ao hipnotizado o que deve ser, mas se lhe assinala o que é, e aí a eficácia do mandato.
Refletindo sobre essa asserção e conhecendo a dinâmica familiar de Ana, ficamos surpresos ao constatar que a mãe “não aparece” na família. São proprietários de uma pequena loja de confecções, na qual trabalham o pai e a irmã mais velha. A mãe nunca vai à loja, pois “não tem cabeça pra isso” (palavras do pai de Ana). A irmã mais velha, que aparece no desenho, apesar da idade tem uma participação ativa em muitas decisões do comércio e da vida familiar e junto ao pai formam o centro gestor do grupo familiar.
Insistimos em indagar o motivo da falta de braços no autodesenho de Ana, ao que a criança limitou-se a sorrir.
Ana, falando sobre seu desenho, ainda faz questão de afirmar que sabe desenhar barcos e pássaros e mostra também que sabe desenhar gato.
Indagada sobre as duas figuras centrais da parte inferior do desenho, ela diz que “são dos pássaros, para eles voarem”.
Fica-nos a impressão de que para Ana, os pássaros não voam porque possuem asas, mas precisam buscá-las fora do próprio corpo. Talvez as pessoas também precisem buscar fora de si os instrumentos necessários para realizarem seu trabalho e Ana ainda não tenha encontrado seu próprio espaço de ação no grupo familiar.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Maria Júlia de Paiva. O desenho livre e a verbalização como recursos diagnósticos do estágio do desenvolvimento do pensamento infantil. Disponível em: http://www.cchla.ufrn.br/humanidades/ARTIGOS/GT01/O%20DESENHO%20LIVRE%20E%20A%20VERBALIZAO%20COMO%20RECURSOS%20DIAGNATICOS%20DO%20ESTAGIO%20DO%20DESENVOLVIMENTO%20DO%20PENSAMENTO%20INFANTIL.pdf. Acesso em 01 de março de 2010.
FERNÁNDEZ, Alícia. A inteligência aprisionada: Abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua família. Porto Alegre: Artmed, 1991.
PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança: Imitação, jogo e sonho, imagem e representação. Rio de Janeiro: LTC, 1990.
SILVA, Valdeci Gonçalves da. Teste do desenho: Um espelho da alma. Disponível em: http://www.algosobre.com.br/psicologia/teste-do-desenho-um-espelho-da-alma.html. Acesso em 01 de março de 2010.
WECHSLER, Solange M. e SCHELINI, Patrícia Waltz. Validade do desenho da figura humana para avaliação cognitiva infantil. Rev. Avaliação Psicológica, 2002,1, p.29-38.
WEISS, Maria Lúcia Lemme. Psicopedagogia Clínica: Uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. 13. Ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2008.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

AVALIAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA DO DESENHO INFANTIL (PARTE II)



                         
O DESENHO E O SÍMBOLO NA CRIANÇA

Ao utilizarmos o desenho como instrumento de avaliação, é necessário buscarmos o significado de cada elemento presente na figura e suas conexões com os sentimentos do examinado. Segundo Piaget (1990, p.218), a metáfora é caracterizada como símbolo pela conexão existente entre a imagem empregada e o objeto, “não imposta por convenção social, mas sentida diretamente pelo pensamento individual”. Cabe ao investigador conseguir chegar ao sentimento gerador da alegoria no indivíduo.
Sobre o uso de provas e testes, Weiss (2008, p.103), adverte: “Por ser apenas um meio auxiliar, é fundamental a observação acurada, a escuta durante o processo de execução e a leitura psicopedagógica possível de ser feita do produto realizado”.
Quanto ao símbolo, Piaget ainda classifica-o em consciente, quando “a significação é transparente para o próprio sujeito”, e inconsciente, “de significação oculta para o próprio sujeito”. Embora faça esta classificação, reconhece mais adiante que “todo símbolo é, ao mesmo tempo, consciente e inconsciente” (p.221).
Mesmo tendo consciência de que está sendo “examinado”, o indivíduo não tem certeza sobre o que será revelado através dos seus desenhos, mesmo quando imagina um significado para cada figura desenhada, outras significações podem estar ocultas, sendo possível que sejam reveladas através do olhar atento do observador e da verbalização sobre as experiências, sentimentos e emoções vivenciadas pelo sujeito.
Esse ocultar de significados pode ser gerado pelo desconhecimento (consciente) ou pela impossibilidade de citar ou comentar um fato ou experiência, pois
...além de sua significação imediata e compreendida pelo sujeito, significações mais profundas, exatamente como uma idéia, além do que ela implica conscientemente o raciocínio que a utiliza no momento considerado, pode conter uma série de implicações que escapam momentaneamente ou desde longo tempo ou mesmo que escaparam sempre à consciência do sujeito pensante. (PIAGET, 1990, p.222)
Quando uma criança cria personagens através de seus desenhos, de certa forma está contando sua história, uma vez que tudo o que desenha ou verbaliza faz parte daquilo que a mesma conhece, que está ao seu alcance imediato.


(continua...)

quinta-feira, 21 de julho de 2011

AVALIAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA DO DESENHO INFANTIL

                               
Em toda a história da humanidade é possível perceber o desenho como importante forma de comunicação entre os indivíduos. Eles podem relatar simbolicamente acontecimentos, sentimentos e pensamentos.
Muito antes de estar alfabetizada, a criança é capaz de utilizar-se desse meio para interagir com o meio no qual está inserida. Em condições normais, toda criança tende a rabiscar em qualquer superfície a que tenha acesso, seja folhas de papel em branco, documentos, paredes, móveis, etc.
Embora o desenho infantil tenda a ser visto, principalmente por pais ou responsáveis, como algo “lindo”, é preciso que se peça, sempre que possível, para que a criança verbalize aquilo que retratou em seu desenho, pois muitos conflitos, pensamentos e atitudes negativas são expostos nestes grafismos e surge aí, um bom momento para resolvê-los.
Para Silva, “o desenho é uma das mais autênticas expressões do testando, uma vez que capta, em particular, conteúdos inconscientes, sem a sua intervenção”. Para a autora, mesmo quando está consciente de que algo do seu Eu será conhecido, não é possível controlar o que se está expondo, embora uma avaliação mais precisa de sentido só seja possível através da fala do examinado, “no seu sincero propósito de colaborar com o processo”.
Para buscar uma melhor compreensão acerca desse processo de avaliação psicopedagógica através do simbolismo expresso no desenho infantil, foi realizada uma experiência com Ana1, 5 anos. Utilizamos o desenho direcionado, com o tema família, e a verbalização posterior sobre o mesmo como principais recursos para compreender seu significado para a criança participante do processo.
1 Nome fictício.


(continua...)

sábado, 16 de julho de 2011

Como se escreve?

(Autor Desconhecido)


“Quando eu tinha somente cinco anos, a professora do jardim de infância pediu aos alunos que fizéssemos um desenho de alguma coisa que amávamos. Eu desenhei a minha família. Depois, tracei um grande círculo com lápis vermelho ao redor das figuras. Desejando escrever uma palavra acima do círculo, saí de minha mesinha e fui até à mesa da professora e disse:
- Professora, como a gente escreve…?
Ela não me deixou concluir a pergunta. Mandou-me voltar para o meu lugar e não me atrever mais a interromper a aula. Dobrei o papel e o guardei no bolso.
Quando retornei para casa, naquele dia, me lembrei do desenho e o tirei do bolso. Alisei-o bem sobre a mesa da cozinha, fui até minha mochila, peguei um lápis e olhei para o grande círculo vermelho. Minha mãe estava preparando o jantar, indo e vindo do fogão para a pia. Eu queria terminar o desenho antes de mostrá-lo para ela e disse. Mamãe, como a gente escreve…?
- Menino, não dá para ver que estou ocupada agora? Vá brincar lá fora. E não bata a porta, foi a resposta dela. Dobrei o desenho e guardei no bolso.
Naquela noite, tirei outra vez o desenho do bolso. Olhei para o grande círculo vermelho, e peguei o lápis. Queria terminar o desenho antes de mostrá-lo para meu pai. Alisei bem as dobras e coloquei o desenho no chão da sala, perto da poltrona reclinável do meu pai e disse:
- Papai, como a gente escreve…?
- Estou lendo o jornal e não quero ser interrompido. Vá brincar lá fora. E não bata a porta. Dobrei o desenho e o guardei no bolso novamente.
No dia seguinte, quando minha mãe separava a roupa para lavar, encontrou no bolso da calça enrolados no papel, uma pedrinha, um pedaço de barbante e duas bolinhas de gude. Todos os meus “tesouros” que eu catara enquanto brincava fora de casa. Ela nem abriu o papel. Atirou tudo no lixo.
Os anos passaram…
Quando tinha 28 anos, minha filha de cinco anos, fez um desenho. Era o desenho da sua (minha) família. Sorri quando ela apontou uma figura alta, de forma indefinida e me disse.
- Este aqui é você, papai!
Olhei para o grande círculo vermelho feito por minha filha ao redor das figuras, e lentamente comecei a passar o dedo sobre o círculo. Ela desceu rapidamente do meu colo e avisou:
- Eu volto logo!
E voltou. Com um lápis na mão. Acomodou-se outra vez nos meus joelhos, posicionou a ponta do lápis perto do topo do grande círculo vermelho e perguntou.
- Papai, como a gente escreve amor?
Abracei minha filha, tomei a sua mãozinha e a fui conduzindo, devagar, ajudando-a a formar as letras, enquanto dizia:
- Amor… Amor, querida, se escreve com as letras T…E…M…P…O (TEMPO).
Conjugue o verbo amar todo o tempo. Use o seu tempo para amar. Crie um tempo extra para amar, não esquecendo que para os filhos, em especial, o que importa é ter quem ouça e opine, quem participe e vibre, quem conheça e incentive. Não espere seu filho ter que descobrir sozinho como se soletra amor, família, afeição.
Por fim, lembre-se: se você não tiver tempo para amar, crie. Afinal, o ser humano é um poço de criatividade e o tempo… bom, o tempo é uma questão de escolha."